Do Cerco à Sobrevivência: Histórias Palestinas da Agência para Mulheres durante a Invasão de Nablus de 2002
Noura Kamal
Tradução de Gustavo Racy
Introdução
Desde a An-Naksa, cidades palestinas da Cisjordânia (incluindo Nablus, ao norte da Palestina), enfrentam sofrimento contínuo devido à ocupação sionista. A despeito dos Acordos de Oslo, assinados em 1993 entre os colonizadores e a Autoridade Palestina para encerrar décadas de ocupação, o processo nunca chegou ao fim. Evidentemente, o sofrimento palestino havia começado vinte anos antes da an-Naksa, quando milícias sionistas forçaram centenas de palestinos a deixar suas casas, destruindo aldeias inteiras e cometendo massacres contra a população nativa (cf. Sayigh, 2015: 3).
Décadas depois, em 2002 e nos anos que se seguiram, toques de recolher foram impostos na cidade de Nablus, restringindo a mobilidade de seus habitantes. Dois toques de recolher principais foram impostos em 2002: em todas as cidades palestinas durante o breve cerco em abril, e em Nablus durante o longo cerco de junho a outubro. Os toques de recolher representavam uma situação extrema, em que o exército israelense forçava todos na cidade a permanecerem em suas casas. Qualquer pessoa que se aventurasse a sair era baleada. Os habitantes, já acostumados a estar perpetuamente cercados por tropas militares, se viram em busca de novas formas de lidar com a ameaça.
O sofrimento causado por essa realidade se manifestou de diferentes maneiras. Por um lado, os habitantes foram afetados fisicamente pela invasão e pelo toque de recolher, já que não podiam visitar suas famílias, ir ao trabalho e porque, em alguns casos, suas casas haviam sido demolidas. Por outro lado, seu bem-estar social estava em risco: praticar sua rotina diária era uma ameaça à vida, o que significava menos contato social, além do fardo constante de temer pela própria vida.
Apesar de o cerco ter terminado, a possibilidade de um novo cerco e toque de recolher pelo exército israelense permanecia. Os sionistas continuaram a entrar em Nablus, especialmente durante a noite, para sequestrar palestinos e prendê-los por motivos políticos. Além disso, Nablus ficou separada das cidades vizinhas por quase nove anos após o início da Segunda Intifada em 2000. Nenhum palestino de qualquer vila próxima ou outra cidade palestina podia entrar ou sair de Nablus sem passar por um posto de controle militar ou tomar caminhos perigosos a pé para contornar as barreiras ao redor da cidade.
Os habitantes da cidade de Nablus não apenas se lembram das experiências traumáticas de 2002, mas também são confrontados simultaneamente pela dura realidade da ocupação em suas vidas diárias atuais. Devido ao medo contínuo de uma invasão, o sofrimento que vivenciaram no passado se tornou parte de suas vidas presentes.
Para este artigo, fornecerei histórias do campo a fim de explorar como as mulheres estão envolvidas na reconstrução de mecanismos de enfrentamento por meio das relações sociais dentro da cidade de Nablus.
Recordando o passado enquanto se vive em um presente ambíguo
“Aquele que conta os golpes não é como aquele que os sofre.”
“اللي تحت العصا مش زي إلى بعدهن”
(Provérbio palestino)
Uma mulher citou este provérbio para expressar como alguém que vivenciou tempos difíceis e testemunhou a crueldade da violência não é o mesmo que a pessoa que a documentou. Vale a pena examinar as memórias de pessoas traumatizadas por incidentes brutais e que ainda fazem parte de contextos sociais e políticos mais amplos.
Paul Farmer (1997, 272) destaca que a experiência do sofrimento dificilmente pode ser transferida para fatos e números puros. Sua perspectiva é importante quando examinamos o que aconteceu em Nablus durante o cerco. Quando analisei relatórios e publicações desse período, o foco principal estava em destacar quantas pessoas foram mortas, quantas casas foram destruídas e quantos dias as pessoas foram forçadas a ficar em casa. As histórias de pessoas que vivenciaram a perda de um ente querido, a demolição de suas casas e o medo contínuo raramente foram contadas. A maior parte dos relatórios e documentações se focava no nível de destruição que a cidade enfrentou.
Quando conheci Samira, minha primeira impressão foi a de que ela era uma pessoa otimista e com uma formação religiosa, a julgar pelas roupas islâmicas e pelo véu que usava. Na época, eu não sabia que ela havia passado por grandes sofrimentos.
“Durante o cerco curto, nossa casa foi destruída. Nossos vizinhos, oito membros da família Al-Sha’bi, foram enterrados vivos depois que os soldados israelenses destruíram a casa deles enquanto estavam dentro. Minha mãe ficou em estado de choque tão grande que não conseguiu voltar para nossa casa depois que a reconstruíram” (Samira).
Essa situação insuportável não a impediu de se tornar uma ativista social durante e após o cerco, atuando como professora voluntária na educação popular. Alunos de cada bairro se reuniam em um prédio seguro nas proximidades e eram ensinados por professores que moravam no mesmo distrito.
Qualquer pessoa que não tenha vivenciado essa dor diretamente pode acreditar que a sociedade se recuperou após a crise e o trauma, retomando o trabalho, a escola e a vida social. No entanto, esse retorno à normalidade não mudou o fato de que muitos indivíduos ainda lutavam contra seu próprio luto, suas experiências pessoais de medo da morte e a perda de entes queridos.
Lidar com uma experiência traumática do passado e os medos a ela relacionados pode ser compreendido analisando o comportamento diário e os padrões sociais e econômicos que os habitantes compartilham entre si. Seu medo do passado moldou suas vidas diárias devido à expectativa subjacente de que algo pior poderia acontecer a qualquer momento. O medo que enfrentaram pode ser entendido com uma explicação de Argenti e Schramm (2012, 2): “As recriações do passado produzidas pela memória são parciais, instáveis, muitas vezes contestadas e propensas a se tornarem locais de luta.”
No início, quando comecei a conversar com as pessoas sobre suas memórias, às vezes parecia que elas estavam zombando da situação atual ou passada. A maneira como narravam suas experiências era caracterizada por sarcasmo e por relatos parciais de diferentes incidentes. Mais tarde, após meses de comunicação diária com as pessoas, percebi que essa era uma forma de adaptação emocional ao medo que carregavam desde o cerco. Esse aspecto ficou claro quando conheci um grupo de mulheres que começou a chorar depois que perguntei sobre suas memórias. Percebi que as pessoas ainda sofriam com o passado. Seus medos se tornaram um modo de vida, e sua rotina diária era caracterizada pela expectativa de que algo pior podia acontecer a qualquer momento.
Naquele dia, fui com Samira a uma instituição social que apoia mulheres, ensinando-lhes habilidades artesanais para que pudessem vender seus produtos (bordados, xales, vestidos tradicionais, etc.). Depois de me encontrar com a diretora, conheci dez mulheres que trabalhavam na instituição. Estávamos sentadas em volta de uma mesa na sala principal do centro. Depois que me apresentei, contei sobre meu trabalho sobre o cerco e que também sou de Nablus, mas não da Cidade Velha, e pedi que elas se apresentassem.
De repente, enquanto uma das mulheres falava sobre si mesma, outra mulher sentada no centro da mesa, chamada Kareema, começou a chorar: “Não consigo, não consigo fazer isso; vou embora”. Foi um momento chocante. Samira estava sentada do outro lado da mesa; olhei para ela, me perguntando o que dizer para acalmá-la e fazê-la falar. Por que ela estava chorando agora, anos depois que a tragédia havia terminado? Eu me perguntava como alguém poderia reagir à palavra “cerco” dessa forma, mesmo que ainda não tivéssemos começado a falar sobre as memórias daquela época.
Uma após a outra, as outras mulheres começaram a dizer: “Eu também não quero ficar. Quero ir embora”. Eu me senti culpada por levar essas mulheres de volta a um passado que era insuportável de lembrar. Samira se levantou e disse a elas: “Por que vocês querem ir embora? É bom ficar e falar sobre seus sentimentos. Todas nós tivemos a mesma experiência; somos todas iguais”.
As mulheres se acalmaram. Ouvir Samira e saber que ela também havia perdido seus vizinhos e sua casa evidentemente as tranquilizou, mostrando que o que haviam passado fazia parte de uma experiência compartilhada mais ampla e que suas memórias mereciam reconhecimento. Depois disso, elas se abriram mais e começaram a compartilhar suas próprias experiências.
Muitas pessoas com quem conversei antes de conhecer essas mulheres sorriam e às vezes até riam ao me contar o que haviam passado. No entanto, conhecer aquelas mulheres em particular foi um ponto de virada para entender que rir ou sorrir durante sua jornada ao passado era, às vezes, apenas uma cortina de fumaça para lidar com as memórias e experiências de vários tipos de violência: imobilidade, como ser forçado a ficar em casa ou ser preso; destruição, como casas e espaços públicos sendo demolidos; e perda, como parentes e amigos presos ou mortos, além da ameaça de perder a própria vida.
As histórias que as mulheres compartilharam no grupo focal indicam que se adaptar a situações difíceis não significa aceitá-las – nem naquela época nem hoje, o que vai ao encontro do que Lori Allen descreve: “O fato de as pessoas terem se acostumado com a violência era, por si só, um tópico ocasional de conversa, o que destaca que essa adaptação não era o mesmo que aceitação” (2008, 474).
O que Lori Allen reflete é muito importante porque distingue entre “aceitar a violência” e “lidar com a violência”. A diferença entre esses dois conceitos pode ajudar a entender a situação das mulheres naquela época e agora. A explosão repentina de tristeza daquelas mulheres mostrou que, em um nível consciente, elas ainda não aceitavam o que haviam passado. No entanto, elas lidaram com a situação de forma desafiadora, seguindo com suas vidas diárias, aprendendo um novo artesanato para contribuir economicamente para a casa e se socializando com outras pessoas. Lidar com a violência e normalizá-la na vida cotidiana é, de acordo com Rema Hammami (2015, 7), “não algo dado, mas uma construção ativa e autoconsciente de si; algo que deve ser continuamente reproduzido.” As mulheres neste exemplo conseguiram seguir em frente com suas vidas, em certa medida, contando com suas redes sociais. No entanto, em outro nível, suas memórias do passado refletem um medo contínuo e sua necessidade de apoio emocional.
Mulheres por trás dos bastidores e a construção de uma rede social informal ampla
As mulheres palestinas desempenharam um papel vital nas últimas décadas ao impedir que a família palestina se desintegrasse. Desde 1967, mais de um milhão de palestinos foram presos por lutar contra a ocupação. Muitos foram mortos ou sofreram ferimentos graves que levaram a deficiências físicas ou mentais.
A ausência dos homens, tradicionalmente chefes das famílias, levou as mulheres a assumirem novos papéis, além de cuidar de suas famílias. As mulheres passaram a fazer parte da luta nacional contra a ocupação (ver, por exemplo, Punamäki 1990; Kuttab 1993; Dajani 1994; Holt 2003), e tornou-se mais aceito na sociedade que as mulheres fossem trabalhar. Rabab Abdulhadi (1998:656) reflete sobre o movimento das mulheres palestinas e a participação política e social das mulheres no discurso nacional palestino. Ela destaca como a Primeira Intifada “moldou as dinâmicas de gênero, fornecendo às mulheres palestinas as habilidades necessárias para suas futuras lutas feministas, permitindo que elas se conectassem e interagissem umas com as outras, e elevando suas expectativas, especialmente durante o primeiro ano”. Esse desenvolvimento continuou ao longo dos anos, e a participação das mulheres na sociedade palestina tornou-se um grande apoio para suas famílias. Isso ficou claramente refletido durante e após o cerco em Nablus. As mulheres palestinas permanecem fundamentais para sustentar a coesão social
Apesar do aumento das responsabilidades e dos múltiplos papéis das mulheres, elas permaneceram fundamentais para sustentar a coesão social. A maioria das mulheres que conheci estava motivada a apoiar seus maridos. Elas garantiam que seus maridos mantivessem seu papel como chefes da família e que suas palavras tivessem peso entre os membros da família. Ibtisam, mãe de cinco filhos, explicou como lidou com a deterioração da situação econômica durante o cerco, quando seu marido mal conseguia trabalhar:
“Enquanto estava em casa, eu conseguia apoiar meu marido. Lembro que foi um momento difícil. Eu assava pão em vez de comprá-lo. Também vendia os bordados que fazia e outras peças de artesanato. Certa vez, meu marido quis emoldurar um trabalho de bordado que eu havia feito. O dono da loja ficou impressionado e quis saber quem havia feito aquela obra de arte. Meu marido respondeu: ‘minha esposa’, e o dono disse a ele que, se eu fizesse mais trabalhos, ele os venderia. Meu marido disse que me perguntaria. Dessa forma, eu consegui ajudar meu marido enquanto estava em casa, para que ele não sentisse que não estava cumprindo suas obrigações para conosco.”
A harmonia entre Ibtisam e seu marido reflete a aceitação de certos papéis de gênero nas famílias de Nablus. Ter múltiplos papéis é aceito na sociedade, desde que as mulheres mantenham suas principais tarefas como donas de casa e mães. Apesar disso adicionar um fardo considerável à vida das mulheres, pela minha própria experiência como pesquisadora de Nablus, e pela observação e entrevista com mulheres de diferentes origens, ter múltiplos papéis dá a muitas um senso de satisfação. As mulheres se expressam por meio de diversas formas, o que não é apenas uma maneira de lidar com as dificuldades da situação política e econômica, mas também significa encontrar um espaço dentro do domínio público e alcançar um maior grau de autorrealização como parte da sociedade mais ampla.
O cerco foi o início de longos anos de luta para encontrar um emprego decente e obter alimentos, tratamento médico, roupas e muito mais. Não era fácil enfrentar situações violentas individualmente; em vez disso, era mais útil aceitar que cada indivíduo da família poderia ter múltiplos papéis. A criança não era mais apenas uma criança se trabalhasse vendendo produtos na rua, como chicletes ou adesivos com versículos do Alcorão. As crianças faziam esses trabalhos depois da escola, ou abandonavam os estudos para trabalhar o dia todo, ou trabalhavam durante as férias de verão. A mãe também não era mais apenas uma dona de casa; ela podia trabalhar a noite toda tricotando roupas para vender. Muitas mulheres fizeram cursos oferecidos por instituições sociais para aprender habilidades como costura, para que pudessem sustentar suas famílias financeiramente durante a deterioração da situação econômica, já que muitas políticas impostas pelas forças militares israelenses afetaram negativamente a economia de Nablus.
Durante o cerco, as mulheres também desempenharam um papel importante em manter a comunicação entre as famílias, apesar das restrições de mobilidade (por exemplo, trocando alimentos). Além disso, elas costumavam acompanhar parentes do sexo masculino a hospitais ou lugares próximos para protegê-los caso fossem pegos por soldados. Estar com uma mulher era mais seguro, e havia uma chance maior de sair ileso do que se um homem estivesse andando sozinho. Após o cerco, no entanto, a entrada das mulheres no mercado de trabalho foi uma escolha que muitas famílias fizeram para lidar com a situação econômica. A aceitação interna de seu papel como mulheres facilitou a agência de cada indivíduo, reconhecendo a importância de suas ações durante esses tempos difíceis. Essa aceitação não era algo comum; pelo contrário, as relações sociais entre as mulheres tiveram um impacto significativo durante e após o cerco.
As visitas sociais entre as mulheres serviram como uma forma de encontrar um espaço de interação para ajudá-las a lidar com experiências traumáticas. É importante destacar que certas habilidades se tornaram fontes de renda indireta, já que alguns residentes se envolveram na economia doméstica, como o bordado, uma habilidade pela qual as mulheres de Nablus são famosas. Durante meu trabalho de campo, houve uma exposição no Khan Al Wakalah de trabalhos artesanais tradicionais e de herança cultural, onde as mulheres exibiram e venderam seus produtos. Essas mulheres não eram apenas de Nablus, mas também de outras partes da Palestina. Uma delas, com quem conversei, era de Jenin. Quando perguntei sobre seu trabalho e se era temporário e apenas para a exposição, ela explicou que era sua fonte de renda.
Integrar-se ao sistema econômico vendendo produtos artesanais ou oferecendo diversos serviços, como cozinhar comida caseira, tornou-se uma estratégia principal para aquelas que estavam e ainda estão em necessidade. Muitas mulheres vendem alimentos que preparam em casa como um método de sobrevivência econômica. A rede social ajudou essas mulheres a se tornarem conhecidas na comunidade. Essa rede existia antes e depois do cerco, e sua importância tornou-se mais visível após o cerco. Isso ocorria por meio de visitas sociais, que facilitavam a troca de informações entre as visitantes sobre aquelas que cozinhavam em casa, ou pelo apoio que instituições sociais forneciam às mulheres que preparavam comida caseira ou faziam trabalhos de bordado. Esse era um processo bidirecional entre interações econômicas e sociais, e vice-versa.
As visitas sociais têm uma longa tradição na cidade. Antes da An-Naksa (1967), as mulheres tradicionalmente se visitavam todos os meses. Cada mulher tinha sua vez durante o mês, e todas as amigas e vizinhas sabiam que uma data era reservada para visitar Umm ʿUṯmān em sua casa, por exemplo, e outra data era para Umm Salmān, e assim por diante. Era uma espécie de tradição entre as mulheres de Nablus se visitarem consistentemente para compartilhar notícias e passar tempo juntas.
Após a An-Naksa, devido à presença do exército sionista dentro da cidade e aos confrontos diários com eles, a situação mudou. Já não era seguro se movimentar, e a alegria e felicidade dessa atividade social foram engolidas pela tristeza causada pela destruição da ocupação. Embora essa prática tradicional não tenha desaparecido, a frequência desses encontros diminuiu. No entanto, as mulheres ainda desfrutam de reuniões de vez em quando, dentro ou fora da Cidade Velha de Nablus, que incluem contar histórias, ouvir música, dançar e usar roupas luxuosas. Desde o cerco, essas reuniões ainda existem, mas não com a mesma frequência de antes de An-Naksa.
A capacidade das mulheres de manter inúmeras relações sociais tornou-se um meio primário para facilitar a troca de conhecimento e informação dentro da cidade e a base para formar uma grande rede social informal. Essa rede ajudou na construção de táticas duráveis de resistência para superar tanto limites físicos quanto psicológicos. Enquanto as mulheres e sua rede social informal desempenharam um papel importante na construção de uma base para os palestinos ajudá-los em seu processo de adaptação, os homens também se beneficiaram dessas relações sociais. Não apenas os homens eram apoiados financeiramente por suas esposas, mas também recebiam as informações que as mulheres circulavam entre as famílias e umas com as outras, tornando mais fácil identificar as pessoas na cidade que estavam em necessidade.
É claro que as mulheres fizeram uma contribuição importante não apenas dentro de suas famílias, mas também nas redes sociais em toda a cidade. Seu envolvimento teve uma grande influência nas abordagens de enfrentamento dos palestinos para lidar com seu próprio sofrimento. Seus encontros sociais eram um lugar onde não apenas a dor da perda e do medo eram menos imediatas do que o habitual devido ao compartilhamento de emoções, mas também um fórum para trocar informações sobre a situação de outras famílias em Nablus. Isso mostra que os laços de parentesco podem ser estendidos além das relações de sangue, como Linda Stone (2006, 6) comenta: “O parentesco é também uma ideologia das relações humanas; envolve ideias culturais sobre como os humanos são criados e a natureza e o significado de suas conexões biológicas e morais com os outros.”
Reflexões Finais
Apesar de mais de vinte anos terem se passado desde a invasão israelense de Nablus e outras cidades palestinas, esse tema ainda é relevante hoje. A ocupação nunca terminou, e o sofrimento só se intensificou, especialmente com o genocídio em Gaza e os ataques crescentes às cidades palestinas, particularmente nos campos de refugiados de Jenin e Tulkarem, assim como na Cidade Velha de Nablus.
A existência de um contexto social cooperativo é um fator importante para apoiar pessoas que estão passando por um período difícil. As mulheres foram e ainda são agentes importantes na criação de um espaço onde as pessoas podem adotar estratégias de enfrentamento e se recuperar de sua dor. Os múltiplos papéis que as mulheres exerceram e o apoio mútuo trocado diariamente tornaram-se fundamentais para criar uma forte coesão dentro da sociedade.
As histórias que apresento neste artigo destacam a importância de reconhecer o papel das mulheres na criação de redes de segurança social para combater a violência imposta à sua sociedade. A estrutura social mais ampla forneceu várias formas de apoio financeiro e emocional, seja por meio de instituições sociais ou conexões com familiares, amigos e vizinhos. Embora nem todos tenham recebido o apoio total de que precisavam, essas relações de apoio, com a ajuda das mulheres, permitiram que muitos palestinos se adaptassem às suas circunstâncias desafiadoras.
Lidar com uma experiência traumática que não está apenas ancorada no passado, mas também pertence ao presente – já que ainda se repete – pode revelar muitas camadas das relações sociais humanas que contribuem para a agência pessoal embutida nessas relações. Nesse sentido, as mulheres têm uma influência considerável na capacidade dos palestinos de lidar com o cerco de 2002 e suas consequências. Por um lado, sua capacidade de manter uma ampla rede social apoiou diversos tipos de relações sociais, como laços de parentesco, relações de vizinhança e amizades. Por outro lado, viver dentro de uma rede social que apoia seus membros facilita o surgimento de abordagens pessoais de adaptação, conforme ilustrado pelos exemplos fornecidos neste artigo.
No final, as mulheres palestinas podem ser consideradas um pilar de sobrevivência, sustentando a coesão social e impedindo que a sociedade se desintegre. Este artigo oferece apenas um vislumbre de seu papel por meio de histórias curtas e análises. Elas suportaram a ocupação e continuam a fazê-lo, especialmente após o início do genocídio em Gaza. Ao fazê-lo, elas ancoram uma rede de segurança mais ampla que décadas de esforços de colonização israelense tentaram, mas no final falharam, em desmantelar.
Bibliografia
Abdulhadi, R. (1998) “The Palestinian Women's Autonomous Movement: Emergence, Dynamics, and Challenges .” Gender and Society, 649-673.
Allen, L. (2008). “Getting by the Occupation: How Violence Became Normal during the Second Palestinian Intifada.” In Cultural Anthropology 23 : 453- 487.
Arendt, H. (1970) On Violence. San Diego: Harcourt Brace and Company.
Argenti, N.; and Schramm, K. (2011). Remembering violence anthropological perspectives on intergenerational transmission. New York: Berghahn Books.
B’Tselem. Workers from the Occupied Territories. http://www.btselem.org, 2011. Accessed 10 July 2014.
Bradby, H.; Hundt, G. (eds.). (2010). Global Perspectives on War, Gender and Health: The Sociology and Anthropology of Suffering. Burlington: Ashgate Publishing Company.
Caruth, C. (1995) Trauma. Explorations in Memory. Baltimore: John Hopkins Univ. Press.
Dajani, S. (1994) “The Struggle of Palestinian Women in the Occupied Territories: Between National and Social Liberation.” Arab Studies Quarterly 16: 13- 26.
Das, V.; Kleinman, A., Ramphele, M. & Reynolds, P. (eds.). (2000). Violence and Subjectivity. Berkeley: University of California Press.
Das, V.; Kleinman, A., Lock, M; Ramphele, M. & Reynolds, P. (eds.). (2001). Remaking a World: Violence, Social Suffering, and Recovery. Berkeley: University of California Press.
Das, V. (2007). Life and Words: Violence and the Descent into the Ordinary. Berkeley: University of California Press.
Doumani, B. (2004). “Scenes from Daily Life: The View from Nablus.” Journal of Palestine Studies 34: 37- 50.
Farmer, P. (1997). “On suffering and structural violence: A view from below.” In A. Kleinman, V. Das & M. Lock (eds.) Social Suffering. Berkeley: University of California Press. 261-284
Green, L. (1999). Fear as a Way of Life: Mayan Widows in Rural Guatemala. New York: Columbia University Press.
Giacaman, R., Jad, I. & Johnson, P. (1996). “For the common Good? Gender and social Citizenship in Palestine.” Middle East report: Gender and Citizenship in the Middle East 198: 11-16.
Hammami, R. (2015). “On (not) Suffering at the Checkpoint; Palestinian Narrative Strategies of Surviving Israel's Carceral Geography.” Borrderlands e-journal.
Holt, M. (2003). “Palestinian Women, Violence, and the Peace Process.” Development in Practice 13: 223- 238.
Kuttab, S. E. (1993). “Palestinians Women in the "Intifada" Fighting On Two Fronts.” Journal Arab Studies Quarterly 15: 69- 85.
Lambek, M. (2000). “The Anthropology of Religion and the Quarrel between Poetry and Philosophy.” Current Anthropology, Vol. 41, No. 3: pp. 309-320.
Lindholm, C. (2007). Culture and Identity: The History, Theory, and Practices of psychological Anthropology. Oxford: Oneworld Publications.
Mlodoch, K. (2012). “We Want to be Remembered as Strong Women, Not as Shepherds: Women Anfal Survivors in Kurdistan-Iraq Struggling for Agency and Acknowledgement.” Journal of the Middle East Women’s Studies 8: 63- 91.
Nordstrom, C. & Robben, A. (eds.). (1995). Fieldwork under fire: contemporary studies of violence and survival. Berkeley: University of California Press.
Nordstrom, C. (2004). Shadows of War: Violence, Power, and International Profiteering in the Twenty-First Century. Berkeley: University of California Press.
Peres, Julio, Alexander Moreira-Almeida, Antonia Nasello and Harold Koenig. “Spirituality & Resilience in Trauma Victims.” Journal of Religion and Health 46, (2007): 343- 350.
Punamäki, R-L. (1993). “Relationships between Political Violence and Psychological Responses among Palestinian Women.” Journal of Peace Research 27: 75- 85.
Ramphele, M. (1997). “Political Widowhood in South Africa: The Embodiment of Ambiguity”. A. Kleinman, V. Das & M. Lock (eds.) Social Suffering. Berkeley: University of California Press. pp. 99 - 118.
Said, Edward. “Lecture: The Myth of ‘The Clash of Civilizations.” Media Education Foundation, 1998, https://www.google.at/search?source=hp&ei=xXNLXIOSFYuz0gXdsqbADw&q=The+Myth+of+the+Clash+of+Civilizations+edward+said&btnK=Google-Suche&oq=The+Myth+of+the+Clash+of+Civilizations+edward+said&gs_l=psy-ab.3..0i22i30.1093205.1098486..1098785...4.0..0.183.2050.1j16......0....2j1..gws-wiz.....0..0i22i30i19j33i160.h3fyumja28I
Sayigh, R. “Silenced Suffering.” borderlands e-journal, 2015, http://www.borderlands.net.au/vol14no1_2015/sayigh_silenced.pdf
Shalhoub-Kevorkian, N. “Criminalizing Pain and the Political Work of Suffering:The Case of Palestinian ‘Infiltrators’.” borderlands e-journal, 2015, http://www.borderlands.net.au/vol14no1_2015/shalhoub-kevorkian_pain.pdf
Scheper-Hughes, N. (1993). Death Without Weeping: The Violence of Everyday Life in Brazil. Berkeley: University of California Press,.
Six-Hohenbalken, M. & Weiss, N. (eds.). (2011). Violence Expressed: An Anthropological Approach. London: Routledge.
Stone, L. (2006). Kinship and Gender: An Introduction. Boulder: Westview Press.
Taraki, L (ed.). (2006). Living Palestine: Family Survival, Resistance, and Mobility Under Occupation. New York: Syracuse University Press.
UNESCO - Media Services. “EU and UNESCO restore Nablus' landmark Khan Al Wakalah to its former glory.” Accessed 12 July, 2013, http://www.unesco.org/new/en/member-states/single-view/news/eu_and_unesco_restore_nablus_landmark_khan_al_wakalah_to_it/
Wood, Allen. Karl Marx: Arguments of the Philosophers. New York: Routledge, 2004.
Rabaia, Y.; de Jong, J.; Abdullah, A.; Giacaman, R. & van de Ven, P. (2018.) “Well-being and pressures of daily life in two West Bank villages: Exploring context and history.” International Journal of Psychology.
Young, A. (1997). “Suffering and the Origins of Traumatic Memory.” In. A. Kleinman, V. Das & M. Lock (eds.) Social Suffering. Berkeley: University of California PressSocial Suffering, eds. Arthur Kleinman, Veena Das, and Margaret Lock. Berkeley: University of California Press. pp 245-260.
Bibliografia em Árabe
Al-Quds Newspaper, “Activities by the Women’s Union of Committees in Nablus,” June 15, 2002, p.4.
Al-Quds Newspaper, “Finishing the Happy Childhood campaign in Nablus,” May 23, 2002, p.6.
Al-Quds Newspaper, “Roots center activities in Nablus,” May 30, 2002, p.10.
Al-Malki, Majdi, Yaser Shalabi, & Hasan Ladadwa, Palestinian society facing the occupation: the sociology of adaptation during Al-Aqusa Intifada. Ramallah: Mwatin, 2004.
Noura Kamal é doutora em Antropologia Social e Cultural pela Universidade de Viena. Mesclando a experiência acadêmica com técnicas de mentoria, Noura aborda temas relativos à resiliência e à criatividade diante da ocupação, fornecendo, também, apoio a transições profissionais.