O Caso Contra um Estado Judeu na Palestina: Declaração de Albert Hourani ao Comitê Anglo-Americano de Inquérito de 1946.
Publicado originalmente em Journal for Palestine Studies, Vol.35 m n. 1 (Autumn).
Tradução de Gustavo Racy
Nota Introdutória
Albert Habib Hourani (1915-1993), foi professor da Universidade de Oxford (Magdalen College, St. Antony’s College) por mais de trinta anos. Filho de um casal do sul do Líbano estabelecido em Manchester, depois de lhe ser negado (como a seus irmãos George e Cecil), acesso a escolas britânicas, por não serem brancos, Albert Hourani fez parte de um grupo seleto de não-brancos a ingressarem no Magdalen College, ainda na década de 1930, onde estudou Filosofia, Política e Economia. Ele foi a segunda pessoa no país a ensinar história do Oriente Médio e o primeiro diretor do Middle East Centre do St. Antony’s College, Oxford. Antes de iniciar sua carreira em Oxford, porém, Hourani foi diretor de pesquisa do Arab Office em Jerusalém, e um dos quatro árabes que, em 1946, foram testemunhas do Comitê Anglo-Americano de Inquérito, um comitê criado para lidar com o “Problema Palestino” diante da situação dos refugiados judeus na Europa.
Conforme afirmado por Walid Khalidi (2005), em texto introdutório à publicação da declaração de Hourani, o contexto da criação do Comitê envolvia complexas relações políticas entre notáveis palestinos e autoridades ocidentais. Ao mesmo tempo, a conjuntura internacional alterava o eixo do poder da Grã-Bretanha para os EUA, e os sionistas - com David Grün (o nome verdadeiro de Ben-Gurion) à frente, preparando-se para um conflito direto contra britânicos e árabes - conseguiam, cada vez mais, apoio de Truman que, pressionava o governo trabalhista de Clement Atlee - cujo secretário de assuntos estrangeiros, Ernest Bevin, era um notório sionista - por uma solução rápida para o problema. A possibilidade de resolução, porém, mostrava-se cada vez mais problemática. Ao fim da segunda guerra, as consequências da Peel Comission (1936) e do White Paper (1939) reafirmavam, de formas distintas, o pendor europeu e estadunidense para o lado sionista. As disputas entre árabes não tornava a questão mais fácil. A criação da Liga Árabe não fora suficiente para diminuir as tensões entre Abdallah da Transjordânia e os apoiadores palestinos de Haj Amin. Isto para não tocarmos nos problemas regionais mais amplos. Seja como for, outra inclinação aparecia no círculo formado ao redor de Musa Alami que, junto a George Antonius já havia causado furor em 1936, defendendo a revolta palestina contra os britânicos, algo pelo qual foi, em 1937, expulso da Inglaterra, onde era secretário do Alto Comissário Britânico para assuntos árabes, Sir Arthur Wauchope. Foi Alami quem divisou o plano para aquilo que foi chamado de Arab Office, em Jerusalém, convidando Albert Hourani para chefiar as pesquisas do instituto. A posição de Hourani, como um britânico-libanês educado em Oxford, parecia uma escolha evidente para um líder que, como Alami, era visto com cautela por outras lideranças árabes, crendo-o por demais próximo aos britânicos. De fato, o que se expressa na declaração de Hourani ao Comitê de Inquérito, é uma visão integrativa, conciliadora, de certo modo, e liberal; Hourani toma o sionismo como um fato: ele existe e já se instaurou na Palestina. Igualmente, a situação dos judeus na Europa é uma questão verdadeira, que precisa de solução. Nisto, se vê, da parte de Hourani, uma perspectiva bastante realista; mas ela não se encerra por aí. Se é verdade que o sionismo veio para ficar e que os judeus da Europa precisam de um porto-seguro, isto não deve ser conquistado às custas dos árabes, que nada têm de responsabilidade pelo que a Europa produziu, nem - à altura do Comitê - negavam aos judeus a possibilidade da convivência, contanto que isso respeitasse limites e princípios históricos de um povo indígena ao local. Parece haver certa inocência, da parte de Hourani, ao aventar a possibilidade de existência de sionistas honestos, e de fazer algum tipo de distinção entre um “sionismo político” e algum outro, que só presumimos por subtração. Mas é possível entender que um pensador de inclinação liberal - um liberalismo que tentava conciliar o decadente liberalismo ocidental a aquilo que o pensamento árabe produziu de liberal ao longo, principalmente, do século XIX - como ele, tenha caído nesta armadilha, e bem ao fim da segunda guerra: ela talvez viesse pela existência de homens como Judah Leon Magnes, um sionista que, à altura da realização do Comitê, se opunha à colonização forçada e à ideia de um Estado judeu. Seja como for, as ideias de Albert Hourani - cuja obra principal nos serve de referência ainda hoje - expostas ao Comitê representam um momento importante na vida deste intelectual engajado, que fez da Palestina uma das questões centrais de seus esforços. sua perspicácia, em 1946, prefigura exatamente o que viria a acontecer com o triunfo do Plano de Partilha da região. Em sua fala, Hourani demonstra como a lógica sionista, pelo menos aquela encarnada por Grün e seus capangas, era expressão de um desejo colonialista que não se preocupava, ainda por cima, com os judeus, de fato. A “visão lacrimosa” da história judia, conforme termo divisado por Avi Shlaim, se expressava em seu negativo a cada passo das maquinações da Agência Judaica, para cuja monstruosidade Hourani alerta. Entre fatos e tendências intelectuais, a fala de Hourani, que foi orientador de Ilan Pappé, reverbera ainda hoje não só como um documento histórico que não pode ser ignorado, mas como um testemunho de primeira mão de mais uma singularidade que lutou por uma Palestina livre, autogovernada, um estado único com direitos plenos a todos os seus cidadãos, árabes e judeus.
Referência
KHALIDI, W. 2005. “On Albert Hourani, the Arab Office, and the Anglo-American Committee of 1946”. Journal of Palestine Studies, Vol. 35, n. 1 (Autumn), 60-79.
Senhor presidente,
Penso que é melhor que eu fale tão brevemente quanto seja compatível com a adequada exposição de minhas ideias mais importantes. Por isso, não entrarei em detalhes cujos fundamentos já foram cobertos por nossa evidência escrita. Usarei meu tempo para responder a algumas questões que foram levantadas no curso de nosso inquérito e para lidar com certas considerações que podem estar em nossas mentes no momento presente. Antes disso, porém, falando com um membro do Arab Office – e, creio, como a última testemunha a falar do lado árabe – penso ser correto enfatizar, sem elaborar aquilo que não demanda mais elaboração, a oposição inalterável da nação árabe à tentativa de se lhe impor um Estado judeu. Esta oposição se baseia na convicção resoluta de direitos inabaláveis, e de uma convicção a respeito da injustiça em se forçar que uma população há muito situada aceite imigrantes sem que se inquira sobre seu consentimento e contra sua conhecida e expressa vontade; injustiça em tornar uma maioria em uma minoria em seu próprio país, injustiça em impedir o autogoverno até que os sionistas sejam maioria e possam lucrar com isso. A oposição árabe é baseada, também, nos perigos do sionismo, que ameaçam distorcer todo o desenvolvimento natural da paz árabe (social, econômico, político e intelectual), e que ameaça, também, senão dominar o mundo árabe, pelo menos perturbar sua vida por muitas gerações vindouras.
O povo árabe, falando através de seus líderes responsável, enfatizaram constantemente que a única solução para o problema da Palestina reside na constituição da Palestina, com menor atraso possível, em um estado autogovernado, com uma maioria árabe, mas com diretos plenos a seus cidadãos judeus. Este Estado participaria das Nações Unidas e da Liga Árabe em pé de igualdade a outros Estados árabes, e em que questões de foro gerais, como imigração, seriam resolvidas pelos procedimentos democráticos comuns, consoante a vontade da maioria.
Não pretendo, como disse, entrar em detalhes sobre as objeções árabes ao sionismo, ou as propostas árabes à solução do problema, já que estas já foram expostas de maneira extensiva à intolerância nas evidências escritas que apresentamos. Mas quero enfatizar uma coisa: mesmo aqueles que rejeitam as propostas árabes não lhe podem negar um mérito, o de que são, pelo menos, propostas para uma resolução final e definitiva para o problema.
As propostas sionistas também possuem uma aparência de finalidade, ainda que acreditemos que são de aplicação impossível. E se fossem lançadas tentativas de colocá-las em prática, envolveriam uma terrível injustiça, só podendo serem levadas a cabo ao custo de horríveis repressões e desordens, arriscando arruinar toda a estrutura política do Oriente Médio.
Ficou claro ao Comitê que o que querem os sionistas é um Estado e nada mais. Referencio-me à resposta do Sr. Ben-Gurion quando lhe foi perguntado se ele salvaria a vida de 100,000 judeus alemães às custas de renunciar a seu ideal de um Estado judeu e ele disse “não”.
As alternativas, me parecem, são perfeitamente claras: ou se tenta estabelecer um Estado judeu com todos os riscos que isto envolve, ou se tenta pôr em prática as propostas árabes. Não obstante, ainda se pode pensar ser possível escapar do dilema e encontrar alguma solução intermediária para o problema. Todas estas soluções intermediárias, creio eu, são ilusórias, mas devem ser examinadas, e proponho examinar, tão breve quanto puder, três delas: primeiro, a partilha, depois, a proposta do doutor Magnes de estabelecer um estado binacional e, finalmente, a proposta que não se cristalizou, mas que sinto estar no ar, isto é, a de que um número ao redor de 100,000 imigrantes sejam trazidos, com o mínimo de atraso possível estabelecendo um certo teor de autogoverno – também sem atraso – deixando a solução do problema para o futuro.
Primeiramente, a ideia da partilha. Não é necessário que eu enfatize que a objeção fundamental dos árabes a isso é de princípio. Se eles se opõem a um Estado judeu em toda a Palestina por motivos de princípio, não podem se opor a ele em parte, nem aceitá-lo parcialmente. Se aceitarem em princípio em parte, não podem se opor a ele em princípio no todo. O tamanho e a extensão do Estado judeu são irrelevantes para a questão de princípio.
Além disso, há graves dificuldades práticas (dificuldades estas que foram lidadas, finalmente, no relatório da Comissão Woodhead) na forma da partilha, dificuldades relativas à administração, às finanças e ao comércio; dificuldades de se ter um Estado árabe confinado majoritariamente às regiões montanhosas, que são pobres e em que já se observa um problema de superpopulação rural. Acima de tudo, há a dificuldade relativa ao fato de que, em quaisquer fronteiras que se tente desenhar para um Estado judeu, ainda haverá uma minoria árabe, que não pode ser forçosamente transferida, pois não se pode transferir camponeses forçosamente. Igualmente, esta minoria não pode ser trocada, pois não haveria uma minoria judia similar no Estado árabe.
Como se lembrará, a Comissão Peel admitiu as dificuldades práticas da partilha, e declarou que, quanto mais eram examinadas, maiores pareciam. A comissão, porém, sentiu que a partilha resguardava a única esperança de uma paz duradoura. Esta esperança, creio eu, é vã. Acredito que, mais do que qualquer outra solução, a partilha se oporia ao próprio objeto da paz, e isto por dois conjuntos de razões.
Em primeiro lugar, é claro que o estabelecimento de um Estado judeu numa parte da Palestina não satisfará a maioria dos sionistas que querem o domínio político de toda a Palestina, no mínimo. Se obtiverem um estado em parte da Palestina, sentir-se-ão tentados a usá-lo como primeiro passo de conquistas posteriores. O estabelecimento de um Estado judeu numa parte da Palestina não os satisfaria, mas fortaleceria sua posição e os encorajaria a pedirem mais. Isto, por um lado. Por outro, mesmo se aceitassem a partilha, há fatores em andamento que os atrairia, mais cedo ou mais tarde (provavelmente mais cedo), a um conflito inevitável contra o mundo árabe. Há uma força dinâmica no sionismo que, ao não ser que seja posta em xeque agora, os levará à destruição; serão forçados a um conflito com o mundo árabe por diversos fatores: a necessidade de lidarem com a própria minoria árabe, que não consentiria em se tornar sujeitos de um Estado judeu e que se ergueria em protesto, que seria ativamente auxiliado pelos países árabes ao redor.
Por isso, por motivos de segurança interna, e para lidar com sua minoria, o Estado judeu se levaria ao conflito com os países ao redor. Em certas circunstâncias, posso imaginar que as pressões da população do Estado judeu seriam tão grandes que o pensamento do corpo governamental se voltaria à expansão, seja de modo a estabelecer imigrantes judeus fora do Estado judeu, seja para evacuar sua minoria árabe. Em algumas circunstâncias, também, seriam levados à expansão pela necessidade de assegurar mercados estáveis para sua produção industrial.
Me volto, agora, para a proposta do doutor Magnes de estabelecimento de um estado binacional. Antes de examiná-la em detalhe, á um depoimento que me foi requisitado fazer. Em seu testemunho perante os senhores, doutor Magnes fez algumas declarações relativas ao acordo feito entre lideranças árabes e judias em 1936. Este acordo – disse ele – foi assinado – ou ele implicou que teria sido assinado – por certas lideranças árabes neste país a pedido do Alto Comitê Árabe e seus membros, assim como do Diretor Geral dos Arab Offices. Falando, tenho certeza, em nome de todos os árabes responsáveis deste país, desejo negar categórica e enfaticamente que tal acordo jamais tenha sido firmado entre o doutor Magnes e qualquer um que possa ser chamado de líder árabe na Palestina. Devo mencionar que vi o doutor Magnes antes desta sessão, e ele me autorizou a dizer que a declaração que fez não tinha por objetivo tal implicação e que, de fato, nenhum líder árabe assinou qualquer proposta.
Senhor Juiz Singleton: Não entendi que ele tivesse dito que foram assinados. Não tenho muita certeza, mas acho que ele disse que houve sugestões e que houve acordo até certo ponto sobre a questão.
Sr. Hourani: Creio que em algum momento ele mencionou a assinatura.
Senhor Juiz Singleton: Não há disputa entre você e o Doutor Magnes?
Sr. Hourani: Não, não há disputa; chegamos a um acordo. Como no caso da partilha, a objeção árabe básica à proposta do Doutor Magnes é de princípio, a qual novamente não preciso detalhar, e a objeção ao princípio da imigração adicional que isso envolveria, à concessão aos sionistas de mais do que podem legitimamente reivindicar, ao enfraquecimento do caráter árabe da Palestina e à admissão do princípio do Lar Nacional.
Além destas objeções por princípio, há outras. No interrogatório cruzado, o doutor Magnes admitiu que a força talvez seja necessária para trazer cem mil imigrantes, que ele pediu que sejam trazidos imediatamente. Isto, me parece, destrói a base moral de suas propostas. A grande vantagem, como ele sempre defendeu em suas propostas, é que elas tornariam o sonho possível e a força desnecessária, mas agora ele está disposto a mostrar, ou, ao que parece, a contemplar o uso da força logo no início do processo, e duas consequências se seguem imediatamente.
A primeira: Será impossível estabelecer um acordo se a força for usada no início de uma proposta.
A segunda: se a força for usada de algum modo, talvez devesse ser usada para apoiar a política que possui maiores méritos intrínsecos. Mais uma vez, um Estado binacional do tipo que o Doutor Magnes sugere só pode funcionar se existir um certo espírito de cooperação e confiança, e se houver um senso subjacente de unidade capaz de neutralizar as diferenças comunitárias. Mas esse espírito não existe na Palestina. Se existisse, todo o problema não teria surgido dessa forma e a solução do Doutor Magnes seria desnecessária. Como não existe, a solução do Doutor Magnes é, nas circunstâncias atuais, impossível. E se fosse possível — se um Estado binacional pudesse ser estabelecido —, isso levaria a uma de duas situações: ou a um impasse completo, talvez envolvendo a intervenção de potências estrangeiras, ou à dominação de toda a vida do Estado por considerações comunitárias.
Adicionalmente, a paridade que o doutor Magnes sugere não é tão completa quanto aparente. Conforme entendemos suas propostas, os árabes devem fazer uma concessão imediata a um número de imigrantes em troca de um autogoverno em algum momento no futuro. Novamente, o autogoverno não será concedido de forma absoluta, mas condicionado ao fato de que judeus e árabes já tenham encontrado um caminho para a paz. E mais uma vez, quando e se esse autogoverno for estabelecido, ele será incompleto. O veto, conforme entendemos o plano do Doutor Magnes, ficará nas mãos do chefe de Estado, e a constituição não será redigida pelos representantes do povo, mas sim pela organização das Nações Unidas, e certos departamentos, entre os quais acredito que ele tenha mencionado o departamento de educação, não terão nem chefe árabe nem judeu.
Há uma objeção final ao plano do Doutor Magnes, que é talvez a mais séria de todas. O Doutor Magnes é uma pessoa cuja integridade e sinceridade nenhum de nós duvidamos. Me é claro, porém, que ele representa apenas uma parcela muito pequena da comunidade judia da Palestina. Se seu esquema fosse levado adiante, isto o satisfaria, bem com a seus apoiadores, talvez, mas não à vasta maioria dos sionistas. Se um estado binacional fosse estabelecido, talvez o Doutor Magnes e seu grupo seriam enxotados e a maioria dos sionistas usariam o que ele obteve para pressionar por suas próximas demandas. Em outras palavras, o Doutor Magnes talvez seja a primeira vítima do sionismo político.
Passo agora ao terceiro conjunto de propostas que mencionei, uma proposta que funciona mais ou menos assim: o problema é muito grave; existem dificuldades de ambos os lados, há um equilíbrio de direitos e justiça, e, portanto, não podemos esperar uma solução definitiva no momento, mas, no momento, podemos admitir um certo número de imigrantes, 100.000; podemos dar os primeiros passos para a extensão gradual da responsabilidade administrativa entre os habitantes do país; e podemos adiar a resolução final para algum momento no futuro, quando talvez as coisas estejam melhores do que agora. Aqui, novamente, os árabes se opõem a tal solução por motivos de princípio. O número de imigrantes a serem admitidos é irrelevante. Os árabes nunca podem consentir com qualquer imigração imposta a eles, e não podem sequer começar a considerar a questão da imigração de forma proveitosa enquanto lhes for negada toda responsabilidade sobre seu próprio destino. A primeira condição para que sequer considerem a imigração como uma possibilidade é que lhes seja dada responsabilidade sobre seus próprios assuntos nacionais.
Os árabes não entendem por qual direito a Grã-Bretanha e os Estados Unidos demandam que sejam eles a suportar o fardo de resolver o problema dos refugiados. A culpa pela criação deste problema não jaz sobre ombros árabes, mas sobre os europeus. Os árabes já foram forçados a suportar mais do que lhes é justo para a resolução do problema judeu. Conheço muito bem as respostas a estas objeções: a de que seria difícil aprovar a legislação requisitada no Congresso dos EUA ou no Parlamento Britânico, e a de que os judeus preferem ir para a Palestina. Não obstante, elas não me satisfazem, e não creio que nenhum árabe esteja satisfeito quanto a ideia de que a Grã-Bretanha e os EUA tenham feito tudo que poderiam para resolver o problema dos refugidas. Nos últimos meses, tenho visto nos jornais referências a várias moções e resoluções introduzidas no Congresso dos EUA pedindo que os portões da Palestina sejam abertos aos judeus, ou de que os da América se fechem aos imigrantes. Até que os árabes estejam satisfeitos de que a Grã-Bretanha e os EUA tenham feito tudo que podem para resolver o problema por conta própria, eles serão da opinião de que ambos os governos devam deixar de pressionar – ou mais, coagir – os árabes para resolverem a questão ou que, se o façam, que o façam com o maior sentimento possível de culpa e vergonha.
Além disso, é impossível — infelizmente impossível — considerar a questão da imigração apenas com base em motivos humanitários ou qualquer outro motivo isolado. A questão da imigração para a Palestina deve ser vista em seu quadro político geral. Deve-se sempre lembrar que o objetivo dos sionistas não é resolver o problema dos refugiados por si só, mas assegurar a dominação política na Palestina, e que sua demanda por imigração é apenas um passo rumo ao domínio da Palestina. O primeiro requisito, portanto, é convencê-los de que nunca poderão alcançar seu objetivo por meio de pressão ou de qualquer outro modo. A concessão de imigração agora, por mais que possa ser justificada, apenas os incentivaria a pedir mais, sem de fato satisfazê-los.
Além disso, pode-se observar que essa solução sugerida não é definitiva; ela deixa espaço para protestos e pressões, para mais comitês e mais relatórios, e uma série interminável de mudanças de política. Posso lembrá-los do que aconteceu em 1939, quando o White Paper foi emitido, estabelecendo que o autogoverno deveria ser implementado após um atraso de cinco anos, mas que, nesse intervalo, 75.000 imigrantes deveriam ser admitidos. Os cinco anos se passaram, e mais do que isso, e 75.000 ou mais imigrantes foram admitidos, e o país não está mais próximo do autogoverno do que estava na época. E agora, talvez, os árabes sejam convidados a aceitar mais imigrantes, e mais promessas de autogoverno eventual sejam dadas, e quem sabe se, após mais cinco anos, serão convidados a aceitar ainda mais — e onde isso terá fim?
Mais uma vez, essa solução sugerida nem mesmo preservaria o status quo. Na Palestina, não basta nada fazer para manter o status quo. A cada dia a situação se agrava; a cada dia a tensão aumenta; a cada dia a distância entre governantes e governados se torna maior. A base moral do governo é minada, e isso tem um efeito desmoralizador tanto sobre os governantes quanto sobre os governados.
Talvez dois argumentos possam ser colocados a favor deste tipo de proposta com a qual agora lido. O primeiro pode ser o de que, mesmo se estas propostas não resolverem o problema a longo prazo, elas pelo menos o resolveriam no curto. As propostas ajudariam a liberar os campos na Europa e acalmaram o terrorismo judeu. Pode-se supor que elas não animariam reações imediatas e violentas entre os árabes, permitindo que os governos britânico e estadunidense pensassem em algo nos próximos meses.
Mesmo que essas premissas fossem verdadeiras, este seria um argumento míope. Criaria um problema permanente em troca de um alívio temporário. Mas essas premissas não são verdadeiras. Pessoas que têm um contato muito mais próximo com a opinião pública árabe do que eu, sem dúvida, alertaram vocês sobre o perigo de acreditar que a atual quietude e tranquilidade do povo árabe na Palestina e fora dela se manterá. A cada dia algum tipo de distúrbio se aproxima. Não sei qual forma isso assumirá. Pode ou não assumir a forma óbvia de uma revolta na Palestina, mas não há dúvida de que algum tipo de reação violenta em alguma parte do mundo árabe é esperada, deve ser esperada, em resposta à tentativa de continuar a política sionista na Palestina.
O segundo argumento que poderia ser usado em favor de tais propostas baseia-se nas evidências apresentadas a vocês pelo Dr. Notestein, nos Estados Unidos. Creio que o Dr. Notestein afirmou que o crescimento natural da população árabe era muito maior do que o da população judia, de modo que não haveria possibilidade de os judeus jamais obterem a maioria na Palestina, ou, se por acaso a obtivessem, de mantê-la. Assim, o que seria necessário é apenas atravessar os próximos anos, e então o problema se resolveria por si mesmo, porque ficaria claro que os judeus nunca poderiam estar em maioria. Os temores árabes, portanto, seriam injustificados e, em última análise, desapareceriam, e as esperanças judaicas seriam infundadas e, no fim, abandonadas.
A esse argumento há várias objeções. Não falo sobre sua base factual, pois não sou competente para julgá-la, mas pode-se apontar que existem mais de uma maneira de se obter a maioria. Os árabes devem lembrar que, nos últimos anos, sionistas responsáveis discutiram seriamente a evacuação da população árabe, ou parte dela, para outras partes do mundo árabe. Pode ser que essas declarações tenham sido desmentidas pela Agência Judaica ou por outros órgãos responsáveis, mas, ainda assim, a possibilidade existe, e os árabes devem levá-la muito a sério.
Novamente, deve-se enfatizar que o que os sionistas querem é um Estado, a dominação política, e, portanto, estão dispostos a fazer qualquer coisa para alcançá-lo. Todo o resto é estratégia política. Assim, no passado, usaram o método da capacidade econômica de absorção para obter imigração, e, portanto, usarão o argumento democrático, se possível. Se puderem obter um Estado por meio da maioria, isso parecerá mais simples e lhes permitirá justificar sua ação aos olhos do público britânico e americano. Mas se não puderem obter um Estado e a dominação política pela via da maioria, tentarão obtê-lo de outra maneira, seja pela violência ou garantindo uma dominação artificial apoiada externamente.
Pode ser que essas objeções às várias soluções alternativas fossem aceitas, mas que se apontasse que objeções semelhantes também poderiam ser feitas às propostas árabes. A primeira é que, se a Grã-Bretanha e os Estados Unidos aceitassem as propostas árabes, isso seria, de fato, conceder uma das duas posições extremas. E isso, poderia-se argumentar, seria injusto para os judeus e inaceitável para os públicos britânico e americano. Na realidade, as propostas árabes não são extremas, mas sim um compromisso. Os árabes têm protestado violentamente contra a tentativa de lhe imporem a imigração sionista por vinte anos. A imigração lhes foi forçada contra sua vontade e consentimento. Agora, falando a partir de seus líderes responsáveis, eles declaram repetidamente sua disposição em aceitar os judeus que entraram legalmente na Palestina, adquirindo a cidadania palestina legalmente como membros plenos da unidade política que querem formar. Eles declaram sua disposição em entrar em comunhão total com seus concidadãos judeus da Palestina para que tentem o perigoso experimento de pessoas de diferentes raças e ideais viverem juntas. A generosidade desta oferta não deve ser subestimada. Se isso não é um compromisso, o que é?
Em segundo lugar, pode se perguntar: o que os judeus podem esperar do jugo árabe num Estado palestino autogovernado de caráter árabe? A isto deve ser suficiente nos referirmos às minutos dos procedimentos da Conferência de 1939 - que eu creio estarem em suas mãos - quando Jamil Effendi Husainy, falando como porta-voz da delegação árabe, deixou claro que o que os judeus podiam esperar eram direitos político e civis plenos, o controle de seus assuntos comunitários, autonomia municipal em distritos em que estiverem concentrados, o uso do hebraico como uma língua oficial adicional em tais distritos e uma cota adequada para a administração. Deve ficar claro a partir disso que não se trata de os judeus ficarem sob o domínio árabe no sentido ruim de serem lançados em um gueto, ou de serem isolados do fluxo principal da vida comunitária, sempre evitados e às vezes oprimidos. Os árabes não estão oferecendo esse status de gueto no sentido negativo, mas sim a participação na comunidade palestina. Se essa comunidade tem um caráter árabe, se o Estado palestino deve ser um Estado árabe, isso não se deve a preconceito racial ou fanatismo, mas a dois fatos inescapáveis: o primeiro, que a Palestina possui uma população árabe indígena, e o segundo, que a Palestina, por geografia e história, é uma parte essencial do mundo árabe.
A esta segunda questão, pode-se responder que nenhum termo que os árabes ofertem seria compensação adequada pela desistência da ideia de um Estado jdueu. O ponto todo do sionismo, pode ser dito, é o de que os judeus devem estar na Palestina por direito, não por concessão, e de que isso é impossível enquanto forem uma minoria e não tiverem um Estado. A antítese entre direito e concessão não tem sentido. A verdadeira antítese é entre boa-vontade e força: se os judeus querem viver na Palestina com a boa-vontade dos árabes, ou se querem recorrer à força, deles ou de outros. O que os árabes pedem não é que os judeus estejam aqui por concessão num mau sentido, mas que eles reconheçam sua necessidade pela boa-vontade árabe. Reconhecer que dependem de relações normais, boas, com os árabes, não deve ser humilhante aos judeus. Além disso, é verdade que os judeus aqui na Palestina precisam da boa-vontade árabe e, mesmo se estivessem aqui por direito, isto não faria diferença alguma relativamente a este fato fundamental.
A terceira e mais incisiva objeção às propostas árabes assume a forma de uma pergunta. Poder‑se‑ia dizer que as propostas árabes são todas muito boas em princípio, mas poderiam, de fato, ser executadas senão pela força? Os sionistas as aceitariam? Não se revoltariam contra a tentativa de privá‑los da possibilidade de estabelecer um Estado judeu? E se se revoltassem, não seria difícil reprimir essa revolta, seja pelos riscos militares envolvidos, seja pelo clamor imediato da opinião pública britânica e estadunidense, que sem dúvida seria induzida em erro pela propaganda sionista, levando‑a a crer que métodos repressivos estariam sendo usados pela administração árabe? A resposta é clara: há um risco sério envolvido, assim como há risco em qualquer solução do problema da Palestina. A natureza e a extensão precisas desse risco são assuntos sobre os quais, creio, vocês já ouviram as provas das autoridades competentes, mas é possível afirmar com certeza o seguinte: que qualquer risco existente será maior no futuro do que o é agora, assim como é maior agora do que há cinco ou dez anos. Não se ganharia nada esperando, mas muito se perderia. Se há um risco de violência agora, haverá uma certeza de violência se esperarem muito mais tempo. Existem duas alternativas: ou as organizações extremistas do lado judeu estão blefando — e então será melhor chamar o blefe delas antes que se torne realidade —, ou não estão blefando — e então é preferível que o acerto de contas ocorra agora, e não daqui a alguns anos. A cada dia que passa, a Agência e suas organizações afiliadas tornam‑se mais fortes, e torna‑se mais difícil desalojá‑las de sua posição. Sob o regime do Mandato e com a aquiescência das Autoridades Mandatárias, a Agência prepara‑se para tomar o poder. Não pode haver paz duradoura na Palestina até que os dentes dessa monstruosa organização sejam arrancados.
A isto, podemos adicionar outro ponto. Acredito que, qualquer problema imediato que possa irromper, mais cedo ou mais tarde, os judeus na Palestina terão de reconhecer que precisam da boa-vontade árabe, e tentarão conquistá-la, mas não farão isso até que estejam convencidos de que não tem alternativa senão a boa relação. Enquanto o estado da Palestina não estiver definido, enquanto não existir governo nacional, enquanto os sionistas ainda esperarem um Estado, eles se recusarão a tomar o passo necessário para conquistas a amizade árabe. A resolução definitiva de um problema da única maneira em que ele pode ser resolvido — pela instauração de um governo nacional — pode ou não provocar violência imediata, mas certamente criará a primeira e essencial condição para um entendimento final entre árabes e judeus. Vale a pena enfatizar esse ponto, porque ele esclarece um aspecto importante do problema. Existe uma certa tendência na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos de apresentar o problema em termos do conflito entre duas raças e dois nacionalismos, e de retratar os governos britânico e estadunidense como pacificadores e juízes imparciais, de modo algum envolvidos no conflito, mas mantendo os dois antagonistas separados e fazendo justiça entre eles. Essa não é a visão correta. Vocês nunca compreenderão o problema de forma adequada a menos que percebam que a Grã-Bretanha e os Estados Unidos estão essencialmente envolvidos nele. Grã-Bretanha e Estados Unidos não são apenas juízes, mas atores desta tragédia. Não pode haver resolução, resolução final, até que os sionistas se deem conta de que nunca poderão obter, em Londres ou em Washington, aquilo que lhes é negado em Jerusalém.
Isso é tudo quanto às várias soluções do problema e às diversas objeções a elas.
Para concluir, gostaria de enfatizar o que deve estar presente em nossas mentes: que, em última análise, este não é um problema político ou econômico a ser decidido apenas por critérios políticos ou econômicos; em última análise e de forma inescapável, é uma questão moral. Está em jogo uma questão de direito e justiça. E, mais do que isso, o que for feito ou não feito na Palestina afetará profundamente o sistema de relações morais entre árabes, judeus e o mundo ocidental.
Primeiramente, a relação entre árabes e judeus. Nenhum sionista honesto pode negar que judeus foram bem tratados no mundo árabe ao longo da história. Foi aqui que encontraram refúgio quando foram expulsos da Espanha, e não foi um refúgio dado a estranhos. Eles se tornaram parte da comunidade árabe universal, e o árabe se tornou sua língua. Nenhum árabe deseja destruir as boas relações que sempre existiram entre árabes e judeus, se os judeus ainda tiverem o cuidado de aceitá-las. Se há tensões em várias partes do mundo árabes, se as relações não são tão boas quanto já foram, ou quanto gostaríamos que fossem, isto se dá inteiramente por conta do sionismo político.
Em segundo, a relação entre os judeus e o mundo gentio. Aqui, se me permitem, gostaria de falar por um momento como membro do Arab Office, mas como alguém que foi criado na tradição Cristã europeia e que sente pessoal e profundamente a culpa e sofrimento dos judeus, não fazendo nada no mundo para reabrir as feridas de um povo machucado. À parte as objeções árabes, não estou convencido de que o sionismo seja a solução do problema judeu, nem de que a criação de um Estado judeu na Palestina melhoraria as relações entre os judeus e o mundo gentio. Minha visão sobre este ponto já foi apresentada a vocês no memorando intitulado “Is Zionism the Solution of the Jewish Problem?”, que eu creio terem diante de vocês, e a respeito do qual não pretendo digredir. Mas quero mencionar duas questões que estavam em minha mente. A primeira diz respeito a se, de fato, o sionismo não envolve o desespero da Europa e da democracia europeia; se ele é um afastamento da Europa e de tudo que ela significa, se não é uma confissão de que a Europa falhou, que sua democracia não é mais que um embuste, e se os judeus não podem nunca, nun, viver em tolerância e boas relações no continente. A segunda questão diz respeito sobre se, mesmo que um Estado judeu for estabelecido na Palestina, os judeus se tornaram uma nação normal, como todas as outras. Não acredito que a diferença dos judeus se deva simplesmente a uma combinação de causas políticas, econômicas e sociais. Acredito que ela seja muito mais profunda do que isso e só possa, em última análise, ser explicada em termos teológicos ou metafísicos. E parece-me que, se os sionistas retornassem à Palestina e realizassem seu sonho de um Estado judeu, essa diferença e tudo o que dela origina problemas para eles mesmos e para os outros mudaria de forma, talvez não para melhor.
Finalmente, as relações entre os árabes e o Ocidente. Aqui, novamente, minha visão sobre este assunto foi totalmente exposta nas várias evidências escritas, sobre as quais não preciso digredir. Me parece claro, porém, que a principal tarefa dos árabes, hoje, é chegar a um acordo com a civilização ocidental e com o novo mundo ocidentalizado que se configura. E os árabes são postos diante de uma escolha entre caminhos: eles podem ou ir em direção ao Ocidente e ao mundo com abertura e receptividade, tentando tomar do Ocidente aquilo que tem de mais valioso e profundo em sua tradição, misturando-se com o que têm, na tentativa de estabelecer uma relação de tolerância e confiança entre si mesmos e as nações ocidentais com quem entrarão em contato, adentrando a nova comunidade global num nível de equidade e espírito de cooperação. Ou podem, por outro caminho, se desviarem do Oeste e do mundo, em isolação e ódio espiritual, tomando nada do mundo externo senão os meios materiais para combatê-lo.
Acredito que o primeiro caminho seja o que deva ser seguido pelos árabes, e que seja o que seus líderes responsáveis desejam seguir. Não obstante, a atitude com a qual os árabes caminharão para o Oeste é um assunto inteiramente deles, e depende amplamente da atitude que o Oeste tomar com os árabes. É neste ponto que o sionismo entra. Para as nações árabes, o sionismo se tornou um teste das intenções ocidentais e, enquanto a queixa — a queixa intolerável — do sionismo existir, será impossível para os árabes estabelecer aquela relação de tolerância e respeito, de confiança e cooperação com o mundo, vivendo em paz consigo mesmos e seus vizinhos. E será impossível para aquela nação árabe - progressiva, tranquila, satisfeita e estável - vir a existir, aquela que todos esperamos e pela qual todos estamos trabalhando.