O Futuro da Língua Árabe
Gibran Khalil Gibran
Tradução e reflexão crítica de Thariq M. Osman
جبران خليل جبران
الترجمة للبرتغالية والتقديم باللغتين: طارق م. عثمان
Reflexões acerca de “O Futuro da Língua Árabe”
A reflexão de Gibran Khalil Gibran sobre o futuro da língua árabe inscreve-se no contexto mais amplo da Nahda, o movimento de renovação intelectual que, entre os séculos XVI e XIX, procurou responder à crise política, cultural e epistemológica vivida pelas sociedades árabes diante do avanço europeu e da dissolução gradual das estruturas otomanas. A Nahda não constituiu um programa homogêneo, mas um campo de tensões no qual conviviam projetos distintos: alguns voltados à reforma religiosa, outros à modernização educacional, outros ainda à reconfiguração da língua e da literatura. Em comum, havia a percepção de que o “atraso” das sociedades árabes-otomanas advindo de contradições internas à estrutura organizacional do império, conforme percebido pelos intelectuais, não poderia ser superado sem uma revisão profunda das formas de pensamento, de expressão e de organização do saber.
Nesse contexto, a língua árabe assumiu papel central. Ela era, simultaneamente, herança de uma civilização prestigiosa e obstáculo percebido por alguns reformadores, que a julgavam excessivamente vinculada a seu passado clássico. O debate entre preservação e renovação tornou-se um dos eixos da Nahda, mobilizando gramáticos, jornalistas, poetas e educadores. Enquanto alguns defendiam a normatividade estrita da língua clássica como garantia de unidade cultural, outros insistiam na necessidade de simplificação, adaptação e abertura ao léxico moderno. É nesse horizonte de controvérsias que se situa o ensaio “O futuro da Língua Árabe”, de Gibran Khalil Gibran, publicado em março de 1920 na Revista Al-Hilal, editada no Egito por Jurj Zaidan, escritor e erudito da Nahda.
Gibran Khalil Gibran pertence, porém, a um segmento particular da Nahda, quer dizer, aquele transposto às terras de emigração, o mahjar. Tal segmento não representou uma ruptura, movimento ou estética próprios, mas uma continuidade transposta além-mar, a partir de um conjunto de escritores árabes emigrados, sobretudo para as Américas, entre o final do século XIX e o início do século XX. Distantes geograficamente do Oriente árabe, esses autores encontravam-se, paradoxalmente, em posição privilegiada para observá-lo com lucidez crítica. A experiência do entre-lugar, do bilinguismo e do contato direto com culturas ocidentais modernas permitiu-lhes repensar categorias tradicionais da literatura árabe com maior liberdade. O mahjar não foi apenas um espaço de nostalgia da pátria perdida, mas também um laboratório estético e intelectual no qual se ensaiaram novas formas de expressão, frequentemente em ruptura com o formalismo herdado.
Dentro desse escopo, Gibran ocupa posição singular. Nascido no Líbano e formado intelectualmente entre o mundo árabe, a França e os Estados Unidos, ele transita entre línguas, tradições e gêneros, recusando enquadramentos rígidos. Sua escrita árabe não se orienta pela imitação do cânone clássico, nem sua escrita em inglês se reduz à mera adaptação ao gosto ocidental. Em ambos os casos, sua obra manifesta preocupação constante com o destino espiritual do ser humano e com a relação entre linguagem, criação e verdade. Essa perspectiva explica porque sua reflexão sobre a língua árabe não se limita a questões gramaticais ou pedagógicas, assumindo caráter filosófico e cultural.
Longe de se limitar a uma abordagem filológica ou normativa, o autor concebe a língua como expressão orgânica da vida espiritual das nações, inseparável de sua capacidade criadora e de sua posição no curso da história. Nesse sentido, a questão do futuro da língua árabe é, para Gibran, indissociável do destino intelectual e civilizacional dos povos que a falam.
Desde as primeiras linhas do ensaio, Gibran estabelece uma concepção dinâmica da linguagem. A língua não é entendida como um sistema autossuficiente de signos, tampouco como um patrimônio inerte a ser conservado por meio de regulamentos gramaticais ou da vigilância das academias. Ela é, antes, um fenômeno vital, cuja continuidade depende da presença ativa da força criadora no seio da coletividade. Quando essa força perde potência ou adormece, a língua interrompe seu movimento natural; e toda interrupção, segundo o autor, conduz inevitavelmente ao retrocesso e, por fim, à extinção. A morte da língua não resulta de causas internas, mas do esgotamento espiritual da comunidade que a sustenta.
Central na argumentação de Gibran é o conceito de força de inovação, concebido como impulso coletivo em direção ao desconhecido, manifestação de uma inquietação intelectual que se traduz em desejo de criação, descoberta e superação. Nos indivíduos, essa força se manifesta como genialidade; na coletividade, como entusiasmo. O poeta, figura recorrente no ensaio, não deve ser compreendido apenas como o escritor de versos, mas como aquele que é capaz de converter as inclinações latentes da sociedade em formas sensíveis e comunicáveis. Sempre que essa força esteve ativa na história árabe, a língua conheceu expansão, diversidade e riqueza expressiva. Quando ela se enfraqueceu, a produção cultural degenerou em imitação e repetição.
É nesse contexto que se insere a crítica severa que Gibran dirige à tradição literária tardia. O problema, a seu ver, não reside na herança clássica, mas na sua cristalização acrítica. A repetição automática de imagens consagradas, desvinculadas da experiência viva, transforma a eloquência em artifício vazio e converte a língua em um instrumento de estagnação. O poeta que se limita a reproduzir formas herdadas não preserva a tradição, mas contribui para sua fossilização. A língua, privada de renovação, deixa de acompanhar a vida e passa a testemunhar apenas o passado.
Sua reflexão linguística se articula de modo estreito com sua crítica ao estado político e educacional do mundo árabe moderno. O autor identifica na dependência cultural e institucional em relação ao Ocidente uma das causas fundamentais da fragmentação linguística e identitária. As escolas estrangeiras, embora tenham desempenhado um papel inegável no despertar intelectual das sociedades árabes, produziram uma consciência dividida, moldada segundo interesses e valores externos. O resultado foi a formação de elites culturalmente deslocadas, cuja lealdade intelectual se distribui conforme a língua em que foram instruídas. Nessas condições, a língua árabe não pode assumir plenamente a função de veículo do saber científico e do pensamento moderno.
Gibran rejeita, assim, a ideia de que a simples introdução da língua árabe no sistema educacional seja suficiente para assegurar sua revitalização. Enquanto a educação permanecer dependente de iniciativas estrangeiras, desprovida de um projeto nacional autônomo, a língua continuará subordinada. A metáfora do pão recebido como esmola expressa com clareza essa condição ambígua: tal pão alimenta e desperta, mas também humilha, divide e enfraquece. A verdadeira consolidação da língua exige soberania cultural, capacidade de sustentar a educação com recursos próprios e compromisso coletivo com a formação das gerações futuras.
No debate acerca da relação entre a língua clássica e os dialetos populares, Gibran assume uma posição notavelmente equilibrada. Não vê nos dialetos uma ameaça à língua, mas sua fonte originária e permanente. Todas as línguas vivas, argumenta, evoluem segundo um princípio de seleção natural, incorporando aquilo que melhor exprime a experiência coletiva. A história das línguas europeias, especialmente a formação do italiano moderno a partir de um dialeto vulgar, ilustra essa dinâmica. Ainda assim, manifesta ceticismo quanto à possibilidade de um processo semelhante ocorrer no mundo árabe, em razão do apego excessivo às formas herdadas e do receio de romper com os modelos consagrados.
No centro de sua proposta de revitalização linguística encontra-se a figura do poeta, compreendida em sentido amplíssimo. Poeta é todo aquele que cria, introduz novidades no mundo e que, assim o fazendo, obriga a língua a se expandir, a nomear o inédito, a reorganizar suas formas. O agricultor que aperfeiçoa seu instrumento, o artesão que inventa um novo padrão, o pensador que formula uma ideia original participam igualmente desse processo. Em oposição a essa figura criadora está o imitador, cuja existência intelectual se limita a reproduzir o já dito, convertendo a língua em eco e não em voz. Essa concepção leva Gibran a relativizar o papel das instituições linguísticas. Embora reconheça sua utilidade organizadora, ele as considera incapazes de gerar vida linguística. Sua função limita-se a registrar, classificar e filtrar o que já foi produzido. Sem uma força criadora ativa na sociedade, dicionários e academias tornam-se estruturas vazias, incapazes de impedir a esterilidade cultural.
Do ponto de vista crítico, o ensaio de Gibran apresenta uma visão profundamente idealista, atribuindo à criatividade um papel quase absoluto na determinação do destino da língua. Fatores econômicos, sociais e políticos estruturais são tratados de forma secundária. Ainda assim, essa ênfase na criação como princípio vital confere ao texto uma atualidade notável, sobretudo em contextos marcados pela hegemonia de línguas estrangeiras no ensino superior e pela persistente crise de produção intelectual autônoma.
Em última instância, “O Futuro da Língua Árabe” deve ser lido menos como um tratado linguístico e mais como um manifesto cultural. Gibran não defende a preservação da língua por meio do isolamento ou da rigidez normativa, mas por meio da ousadia criadora. Para ele, uma língua só permanece viva quando acompanha o movimento da vida. A língua árabe, portanto, não carece de guardiões que a congelam no passado, mas de criadores que se atrevam a conduzi-la ao futuro.
Texto originalmente publicado em al-Hilal, n. 5, março de 1920.
O futuro da língua árabe
Primeiro: qual é o futuro da língua árabe?
A língua é apenas uma das manifestações da capacidade de inovação no conjunto da nação, ou de sua essência coletiva. Quando a força criadora adormece, a língua interrompe seu curso; a interrupção leva ao retrocesso, e o retrocesso conduz à morte e ao desaparecimento.
Assim, o futuro da língua árabe depende do futuro do pensamento criador, existente ou inexistente, no conjunto das nações que falam árabe. Se esse pensamento existir, o futuro da língua será grandioso como o seu passado; se não existir, seu futuro será como o presente de suas irmãs, o siríaco e o hebraico.
Mas o que é essa força que chamamos de força da inovação?
Ela é, na nação, um ímpeto que impulsiona para a frente. É, em seu coração, fome, sede e anseio pelo desconhecido; e, em seu espírito, uma cadeia de sonhos que busca realizar dia e noite, e sempre que a vida permite que um elo dessa cadeia se cumpra de um lado, ela acrescenta um novo elo do outro. Nos indivíduos, essa força é genialidade. Na coletividade, entusiasmo. A genialidade individual nada mais é do que a capacidade de dar forma visível e sensível às inclinações ocultas do grupo.
Na época pré-islâmica, o poeta se preparava porque os árabes estavam em estado de preparação; crescia e se expandia nos dias dos mukhadrimūn* porque os árabes viviam crescimento e expansão; ramificava-se nos dias dos muwalladūn** porque a nação islâmica se encontrava em fase de ramificação. O poeta foi, assim, ascendendo, transformando-se e assumindo múltiplas cores: ora filósofo, ora médico, ora astrônomo. Até que a força da inovação na língua árabe foi tomada pelo sono; e, com esse sono, os poetas tornaram-se simples versificadores, os filósofos viraram escolásticos, os médicos charlatães e os astrônomos, astrólogos.
Se o que foi dito é verdadeiro, o futuro da língua árabe está condicionado à força de inovação no conjunto das nações que a falam. Se essas nações possuírem uma identidade própria ou uma unidade espiritual, e se a força criadora nessa identidade despertar após seu longo sono, o futuro da língua será grandioso como o passado; caso contrário, não.
Segundo: qual poderá ser o efeito da civilização europeia e do espírito ocidental sobre ela?
A influência externa é uma forma de alimento que a língua recebe de fora, mastiga, digere e transforma o que há de bom em parte de seu organismo vivo, tal como a árvore transforma luz, ar e elementos da terra em ramos, folhas, flores e frutos. Mas, se a língua não tiver dentes para mastigar nem estômago para digerir, o alimento se perde ou se transforma em veneno mortal. Quantas árvores sobrevivem à sombra, mas, quando levadas à luz do sol, murcham e morrem! Já se disse: “A quem tem, será dado e acrescentado; e de quem não tem, será tirado”.
Quanto ao espírito ocidental, ele é uma fase da vida humana, um capítulo de sua história. A vida do homem é um imenso cortejo que avança continuamente; da poeira dourada que se levanta ao longo de seu caminho formam-se as línguas, os governos e as doutrinas. As nações que marcham à frente desse cortejo são as inovadoras, e o inovador influencia; as que caminham atrás são as imitadoras, e o imitador sofre influência. Quando os orientais estavam à frente e os ocidentais atrás, nossa civilização exerceu grande influência sobre suas línguas. Hoje, eles estão à frente e nós atrás; por isso, sua civilização, por força da natureza das coisas, exerce enorme influência sobre nossa língua, nosso pensamento e nossa moral.
No passado, os ocidentais tomavam o que nós cozinhávamos, mastigavam e digeriam, transformando o que era bom em parte de seu próprio ser. Já os orientais, hoje, tomam o que os ocidentais cozinham e o engolem sem transformá-lo em sua própria substância; ao contrário, são eles que se transformam em quase ocidentais. Essa é uma condição que temo e abomino, pois vejo o Oriente ora como um velho sem dentes, ora como uma criança que ainda não os tem.
O espírito do Ocidente é, ao mesmo tempo, amigo e inimigo: amigo, se o dominarmos; inimigo, se lhe entregarmos nossos corações. Amigo, se tomarmos dele o que nos convém; inimigo, se moldarmos nossas almas para nos adequar a ele.
Terceiro: qual será o efeito do atual desenvolvimento político nos países árabes?
Escritores e pensadores do Oriente e do Ocidente concordam que os países árabes vivem um estado de confusão política, administrativa e psicológica, e muitos afirmam que a confusão gera ruína e decadência.
Eu, porém, pergunto: trata-se realmente de confusão, ou de tédio?
Se for tédio, então o tédio é o fim de toda nação e o desfecho de todo povo: é a agonia em forma de sonolência, a morte sob a aparência de sono.
Se for de fato confusão, então, segundo meu entendimento, ela sempre traz benefícios, pois revela o que estava oculto no espírito da nação, substitui a embriaguez pela lucidez e o torpor pela vigília. É como uma tempestade que sacode as árvores não para arrancá-las, mas para quebrar seus galhos secos e espalhar suas folhas amarelas. Quando a confusão surge numa nação que ainda conserva algo de sua natureza original, ela é a prova mais clara da existência de uma força criadora em seus indivíduos e de uma disposição latente em seu conjunto. A nebulosa é apenas a primeira palavra do livro da vida, não a última; ela não passa de vida em estado confuso.
Assim, o desenvolvimento político transformará a confusão dos países árabes em ordem, e a obscuridade e a complexidade internas em organização e harmonia. Contudo, não converterá o tédio em entusiasmo nem o aborrecimento em paixão. O oleiro pode moldar do barro um vaso para vinho ou para vinagre, mas nada pode fazer com areia e cascalho.
Quarto: a língua árabe se difundirá amplamente nas escolas superiores e inferiores, e todas as ciências serão ensinadas nela?
A língua não se difundirá plenamente nas escolas superiores e inferiores até que essas escolas adquiram um caráter nacional puro. E todas as ciências não serão ensinadas em árabe enquanto as escolas não passarem das mãos de associações filantrópicas, comissões confessionais e missões religiosas para as mãos dos governos locais.
Na Síria, por exemplo, a educação nos veio do Ocidente sob a forma de caridade e nós, ainda hoje, devoramos o pão da caridade, pois somos famintos. Esse pão nos deu vida; mas, depois de nos dar vida, também nos matou: deu-nos vida porque despertou nossas faculdades e alertou nossas mentes; matou-nos porque dividiu nossa palavra, enfraqueceu nossa unidade, rompeu nossos laços e aprofundou as divisões entre nossas comunidades, até que nosso país se tornou um conjunto de pequenas colônias, diferentes em gostos e tendências, cada uma puxando a corda de uma potência ocidental, erguendo sua bandeira e cantando suas glórias.
O jovem que provou um pedaço de saber numa escola americana tornou-se, naturalmente, um agente dos Estados Unidos; aquele que bebeu um gole de ciência numa escola jesuíta virou um embaixador da França; e o que vestiu a camisa tecida por uma escola russa tornou-se representante da Rússia, e assim por diante. A maior prova disso é a divergência de opiniões e a diversidade de posições que hoje existem quanto ao futuro político da Síria.
Os que estudaram em inglês desejam a tutela dos Estados Unidos ou da Inglaterra; os que estudaram em francês pedem que a França governe seus assuntos; e os que não estudaram nem numa língua nem noutra não querem nem uma nem outra potência, preferindo uma política mais próxima de seus conhecimentos e de sua compreensão.
Tal inclinação política pode ser sinal de gratidão nos orientais; mas que gratidão é essa que constrói uma pedra de um lado e derruba um muro do outro? Que gratidão é essa que faz brotar uma flor e arranca uma floresta inteira? Que gratidão é essa que nos dá vida por um dia e nos mata por toda uma era?
Os verdadeiros benfeitores do Ocidente não colocaram espinhos no pão que nos enviaram; quiseram ajudar, não nos prejudicar. Mas como surgiram esses espinhos, e de onde vieram? Essa é outra questão, que deixo para outra ocasião.
Sim, a língua árabe se difundirá nas escolas superiores e inferiores, e todas as ciências serão ensinadas nela, unificando nossas inclinações políticas e cristalizando nossas aspirações nacionais. Mas isso só acontecerá quando pudermos educar nossas crianças às custas da própria nação; quando cada um de nós for filho de uma única pátria, e não de duas pátrias contraditórias — uma para o corpo e outra para a alma; quando substituirmos o pão da esmola pelo pão amassado em nossa própria casa. Pois o necessitado não pode impor condições ao benfeitor, e quem se coloca na posição de quem recebe não pode se opor a quem dá.
Quinto: a língua árabe padrão superará os diversos dialetos populares e os unificará?
Os dialetos populares se transformam e se refinam; o áspero é polido até se tornar macio. Mas eles não vencerão, nem devem vencer, pois são a fonte do que chamamos de língua culta e o terreno onde nasce o que consideramos eloquente.
As línguas, como tudo o mais, obedecem à lei da sobrevivência do mais adequado. Nos dialetos populares há muito do que é mais apropriado e, por isso, permanecerá, pois está mais próximo da ideia da nação e mais íntimo de sua essência coletiva. Digo que permanecerá, isto é, fundir-se-á ao corpo da língua e tornar-se-á parte de seu conjunto.
Cada língua ocidental tem seus dialetos, e neles existem manifestações literárias e artísticas cheias de beleza e inovação. Na Europa e nos Estados Unidos há poetas e talentos que souberam conciliar o popular e o erudito, produzindo obras eloquentes e comoventes. Creio que no mawwāl, no zajal, na ‘atābā e no ma‘nā existem metáforas novas, imagens engenhosas e expressões delicadas que, se colocadas ao lado de muitos poemas em língua clássica que enchem nossos jornais e revistas, fariam estes parecer um monte de lenha ao lado de um buquê de flores, ou um grupo de múmias diante de jovens dançarinas cantantes.
A língua italiana moderna foi um dialeto popular na Idade Média, chamado pela elite de “língua dos rústicos”. Mas quando Dante, Petrarca, Camões e Francisco de Assis escreveram nela suas obras imortais, esse dialeto tornou-se a língua culta da Itália, e o latim passou a ser apenas um cadáver carregado no caixão pelos conservadores. Os dialetos do Egito, da Síria e do Iraque não estão mais distantes da língua de al-Ma‘arrī e al-Mutanabbī do que o dialeto italiano estava da língua de Ovídio e Virgílio. Se surgisse no Oriente Próximo um grande homem que escrevesse uma grande obra num desses dialetos, ele se tornaria língua culta. Contudo, duvido que isso aconteça, pois os orientais se inclinam mais para o passado do que para o presente ou o futuro; são conservadores, conscientes disso ou não.
Sexto: quais são os melhores meios para revitalizar a língua árabe?
O melhor meio, ou melhor, o único para reviver a língua está no coração do poeta, em seus lábios e em seus dedos. O poeta é o mediador entre a força da inovação e os homens, é o fio que transporta o que acontece no mundo da alma para o mundo da pesquisa, e o que se decide no mundo do pensamento para o da memória e da escrita.
O poeta é o pai e a mãe da língua: ela caminha onde ele caminha e repousa onde ele repousa. Quando ele morre, ela se senta chorando sobre seu túmulo até que outro poeta passe e lhe estenda a mão. Se o poeta é pai e mãe da língua, o imitador é quem tece sua mortalha e cava sua sepultura.
Chamo de poeta todo inventor, todo descobridor, todo criador, grande ou pequeno, todo amante da vida em sua essência. O imitador, ao contrário, é aquele que nada descobre nem cria, vivendo apenas do que toma dos outros.
Repito: a vida da língua, sua unificação e difusão sempre dependeram, e sempre dependerão da imaginação do poeta. Temos poetas?
Sim, temos. Todo oriental pode ser poeta em seu campo, em seu jardim, diante de seu tear, em seu templo ou junto de sua biblioteca. Basta libertar-se da prisão da imitação e caminhar sob a luz do sol no cortejo da vida.
Aos que escrevem, digo: é melhor para vós e para a língua árabe construir uma cabana humilde a partir de vós mesmos do que erguer um palácio imponente com ideias emprestadas. É melhor morrer ignorado do que queimar o coração como incenso diante de ídolos. E é melhor retratar a vida oriental com suas dores e alegrias do que traduzir as mais belas obras do Ocidente.
* Mukhadrimun: Termo da historiografia e da crítica literária árabes empregado para designar indivíduos que viveram conscientemente a transição entre duas épocas ou ordens civilizacionais distintas, classicamente, entre a Jāhiliyya (período pré-islâmico) e o Islã. Na tradição literária, aplica-se sobretudo a poetas que produziram antes e depois do advento islâmico, preservando traços estéticos de ambos os horizontes culturais. Para a Nahda, esse termo adquiriu valor de referência aos tradicionais, ou seja, a escola conservadora pautada nas teses de Nasif Yazigi. Esses intelectuais tiveram suas formações nas escolas tradicionais e caminham para a renovação apegando-se ao cânone.
** Muwalladun: Terminologia histórica e filológica para indivíduos de formação cultural híbrida, geralmente de origem não árabe ou mista, que adotaram o árabe como língua de expressão literária fora do núcleo beduíno clássico. O termo foi amplamente utilizado em al-Andalus e em contextos diaspóricos para caracterizar autores cuja língua e sensibilidade literária revelam processos de arabização, inovação estilística e afastamento da norma considerada “pura” pelos gramáticos tradicionais.
Às vezes entendido como sinônimo de al-muhdithun, isto é, os reformadores, terminologia essa adotada para mostrar a inovação e cisão literária da poesia do período abássida, em contraponto à literatura antecedente. Destacamos entre esses: Al-Buhturi, Abu Tammam e Abu Nuwas, os quais trouxeram inovação e renovação para a literatura árabe do período. Na Nahda esse termo se retoma em contraponto ao conservador, logo, passa a valer por liberal. Aqueles que tiveram formações fora das escolas tradicionais e buscam a renovação de forma precoce e desapegada ao cânone.
Thariq Mohamede Osman é bacharel em Letras (Português e Árabe), área em que é, também, licenciado, (Português e Letras Orientais), ambos pela Universidade de São Paulo (USP). É pesquisador sobre a Literatura Árabe e seus reflexos na diáspora e membro do grupo TARJAMA (CNPq). Tradutor de "A menina lilás (2025)”, de Ibtisam Barakat.
:مقدمة النص بالعربية
لا يُقارَب نص «مستقبل اللغة العربية» لجبران خليل جبران بوصفه مقالةً لغويةً بالمعنى الاصطلاحي الضيّق، ولا بوصفه بيانًا إصلاحيًا موجّهًا إلى واقع لغوي مأزوم، ولكن بوصفه خطابًا فكريًا مركّبًا يتخذ من اللغة مدخلًا لاستنطاق الشرط الحضاري للذات العربية في طور تحوّلها الحديث. فاللغة، في هذا النص، تتجاوز كونها موضوعًا للدراسة لتغدو أفقًا للوجود، وتتخطّى وظيفتها الأداتية لتظهر قوةً فاعلةً في إنتاج المعنى أو العجز عنه بقدر ما تنشط في الجماعة طاقة a.الابتكار أو تضمحل
يتأسس تصور جبران للغة على مبدأ أنطولوجي قوامه أن اللسان لا يملك تاريخًا خاصًا منفصلًا عن تاريخ الخيال الذي ينطقه. فاللغة لا "تتقدم" وفق منطق التراكم الكمي، ولا "تتأخر" بفعل الإهمال المؤسسي وحده، وإنما تدخل أطوار الحيوية أو السكون تبعًا لحالة الوعي الجمعي وقدرته على إنتاج صور جديدة للعالم. ومن هنا، فإن كل محاولة لقراءة أزمة العربية قراءةً تقنيةً، تحصر الخلل في التعليم أو المصطلح أو الضبط القاعدي، إنما هي، في منطق جبران، معالجة للأعراض a.مع إبقاء العلة الأولى في مأمن من المساءلة
ينبثق هذا التصور من موقع فكري بالغ الخصوصية، تشكّل في تقاطع ثلاث تجارب كبرى: تجربة النهضة بما حملته من صراع بين الإحياء والتجديد، وتجربة المهجر بما وفّرته من انفصال نقدي عن سلطة التراث والواقع معًا، وتجربة الاحتكاك بالغرب بما فرضته من مساءلة للذات من خارجها. ومن هذا الموقع، يتجاوز خطاب جبران موقع الشهادة المحايدة، ليصدر عن ذاتٍ مفكّرةٍ تعي أن أزمة اللغة ليست إلا انعكاسًا لأزمة أعمق في تصور الأمة لنفسها ولموقعها في حركة a.التاريخ
وتتجلّى مركزية الخيال الخلّاق في هذا النص بوصفه المبدأ المحرّك لكل حياة لغوية ممكنة. فالخيال، عند جبران، ليس ترفًا جماليًا ولا ملاذًا فرديًا، بل وظيفة معرفية تؤسّس القدرة على التسمية، ومن ثمّ على الوجود الرمزي. ومن هذا المنطلق، يكتسب مفهوم الشاعر بعدًا كونيًا يتجاوز حدود الأدب، ليشمل كل ذات قادرة على اقتراح فرق دلالي داخل النسق القائم، وكل فعل إنساني يضيف إلى العالم اسمًا لم يكن له من قبل. في مقابل ذلك، يتعدى التقليد كونه مجرد سلوك لغوي، لكونه بنية ذهنية تقوم على استهلاك المعنى بعد نضوبه، وعلى إعادة تدوير الصيغ a.بعد فقدان ضرورتها التاريخية
ويتعامل جبران مع أثر الحضارة الغربية تعاملًا يخرج عن منطق الاستقطاب الثنائي الذي كثيرًا ما حكم خطاب النهضة؛ أي يخرج من ثنائية الاستنساخ والعداء، ليعتبر الغرب طورًا من أطوار الوجود الإنساني، تتحدد علاقته بالذات العربية بمدى ما تمتلكه هذه الذات من قدرة على الاستيعاب والتمثّل. فاللغة التي تفقد قوة الابتكار تتحول، في احتكاكها بالآخر، إلى سطح قابل a.للذوبان، في حين أن اللغة الحيّة قادرة على تحويل الوافد إلى عنصر من عناصر تكوينها الداخلي
وفي قراءته للاضطراب السياسي، يفصل جبران بين التشويش بوصفه لحظة انكشاف وتحريك، والملل بوصفه علامة انطفاء الهمة التاريخية؛ فالاضطراب، إذا كان ناتجًا عن صراع قوى كامنة، قد يكون تمهيدًا لإعادة تشكّل النظام، أما الملل فليس سوى صورة بطيئة للموت الحضاري. ومن ثمّ، فإن السياسة، في هذا النص، ليست سببًا لانحطاط اللغة، بل مرآةً لوضعها a.العميق في بنية الوعي الجماعي
كما تُطرح العلاقة بين الفصحى واللهجات ضمن أفق تطوري يرفض ثنائية الهيمنة والإقصاء، ويجعل العاميات مادة اللغة الأولى، ومستودع طاقتها التعبيرية الخام. ولا تُرى الفصاحة كمعيار a.سابق، وإنما كنتيجة تاريخية لعملية صهر طويلة تُحوَّل فيها التجربة المعيشة إلى بناء رمزي أعلى
ختامًا، تكمن القيمة الفكرية الجوهرية لهذا النص في كونه يعيد توجيه سؤال اللغة من مجال السياسات والبرامج إلى مجال الوجود والمعنى، جاعلًا من إحيائها مسألةً تتعلق بإعادة تأسيس العلاقة بين الإنسان والعالم، لا بإصلاح الأدوات وحدها. ومن هنا، فإن راهنية «مستقبل اللغة العربية» لا تكمن في أجوبته بقدر ما تكمن في قدرته على مساءلة المسلّمات التي ما زال الخطاب a.العربي المعاصر يعيد إنتاجها دون وعي بتاريخها أو حدودها
طارق محمد عثمان مترجم ولسانيّ برازيلي من أصل لبناني، حاصل على إجازة في الآداب من جامعة ساو باولو. يتركّز اهتمامه البحثي على الأدب العربي الحديث، ولا سيّما أدب النهضة والمهجر. تلقّى دراسات في a.النحو العربي بالرباط، وتخصّص في التفسير وعلم الكلام بجامعة الأزهر، في مصر